Rã robô ajuda a entender a função de um sinal multimodal utilizado por machos em disputas territoriais

Esta postagem no blog é fornecida por Vinícius Caldart. Vinícius é um candidato pré-selecionado para o Prêmio Elton de 2023, pelo trabalho: Function of a multimodal signal: a multiple hypothesis test using a robot frog.

Os animais se comunicam uns com os outros através de sinais. Os sinais podem ser visuais, auditivos, olfativos, táteis, sísmicos ou elétricos e desempenham um papel crucial no comportamento e nas interações sociais dos animais. Sinais de diferentes modalidades podem ser emitidos individualmente (sinais unimodais) ou associados uns aos outros (sinais multimodais). Imagine estas três situações: um aperto de mão, um sorriso, e um aperto de mão acompanhado de um sorriso. As duas primeiras situações são exemplos de sinais unimodais e a última é um exemplo de sinal multimodal. Quando comparamos os três sinais, eles parecem ter significados muito diferentes, não é mesmo? Na verdade, esses exemplos ilustram a ideia de que sinais unimodais e multimodais podem ter funções diferentes em um mesmo sistema de comunicação. No entanto, embora haja uma grande diversidade de sinais unimodais e multimodais na natureza, essa ideia não é fácil de testar na prática.

Por que sinais complexos como os multimodais evoluem? Há três caminhos que ajudam a responder a essa questão. Sinais multimodais podem evoluir se eles revelam informações sobre o emissor (seleção baseada no conteúdo). Eles podem encapsular uma variedade de informações como qualidade (“eu sou um bom parceiro”), condição (“eu estou cheio de energia para lutar”), ou reconhecimento específico (“eu sou da mesma espécie que você”). Sinais multimodais também podem evoluir se eles melhoram a transmissão e detecção no ambiente (seleção baseada na eficácia). Em alguns casos, um componente do sinal viaja longas distâncias (por exemplo, um canto de baixa frequência) enquanto o outro facilita a identificação em curtas distâncias (por exemplo, movimento do saco vocal). Finalmente, sinais multimodais podem evoluir se a interação entre os componentes do sinal faz com que um melhore ou modifique o outro (seleção baseada na interação entre sinais). Por exemplo, um componente do sinal pode servir apenas para atrair a atenção do receptor (“ei, você aí”) para o outro componente (aceno subsequente).

Na tentativa de desvendar a função dos sinais multimodais, os pesquisadores geralmente se concentram em um ou outro tipo de seleção, testando hipóteses sobre seleção baseada no conteúdo, seleção baseada na eficácia ou seleção baseada na interação entre sinais. Uma abordagem alternativa envolve testar múltiplas hipóteses que incorporam os diferentes tipos de pressões seletivas às quais um sinal multimodal pode estar sujeito. Com esse propósito em mente, aproveitamos o extenso conhecimento existente sobre a ecologia e o comportamento da rã diurna de riacho Crossodactylus schmidti para testar hipóteses funcionais postuladas na literatura sobre comunicação complexa. Selecionamos da literatura quatro hipóteses compatíveis com a ecologia da nossa espécie de estudo para entender a função de um sinal multimodal emitido por machos durante disputas territoriais.

Crossodactylus schmidti é uma espécie de rã diurna que habita riachos com diferentes níveis de ruído de fundo e incidência de luz solar (Figura 1). Os machos competem por territórios que contêm pedras, que servem como locais de sinalização, e câmaras subaquáticas, que servem como locais de oviposição. Quando um intruso se aproxima de um macho residente e emite cantos agressivos, o residente responde com cantos agressivos. Se o intruso não recuar, ambos os machos trocam cantos agressivos longos e vários sinais visuais. Antes de escalar para confrontos físicos, os machos trocam por muito tempo o sinal multimodal mais comum: cantos agressivos acompanhados por toe flags. Toe flags são movimentos repetidos para cima e para baixo dos dedos em ambos os pés. Eles são frequentemente vistos durante interações agonísticas entre rãs diurnas em habitats de corredeiras.

Figura 1. Acima, um macho de Crossodactylus schmidti defendendo seu território e dois machos envolvidos em uma disputa territorial. Abaixo, um macho interagindo vocal e fisicamente com a rã robô durante o experimento.

Consideramos que o sinal multimodal utilizado pelos machos durante as disputas territoriais poderia estar sujeito a diferentes tipos de seleção. Isso porque os machos precisam trocar informações sobre a capacidade e a motivação de luta durante essas disputas, tornando o sinal sujeito à seleção baseada no conteúdo. As disputas ocorrem em um ambiente com diferentes níveis de ruído de fundo e incidência de luz solar, o que torna o sinal sujeito à seleção baseada na eficácia. Além disso, o componente visual do sinal (toe flags) raramente é emitido isoladamente. Portanto, a adição de toe flags ao sinal acústico poderia servir para fornecer um novo contexto para o receptor modificar sua resposta ao canto agressivo. Isso torna o sinal sujeito à seleção baseada na interação entre sinais.

Como testar múltiplas hipóteses funcionais? É aí que entra a rã robô. Em um ambiente natural, expusemos trinta e oito machos residentes a uma rã robô que simulava um macho emitindo cantos agressivos e toe flags, combinados e isolados. Em cada exposição, medimos características relacionadas à qualidade dos machos residentes (tamanho e condição corporal) e níveis locais de ruído de fundo e intensidade de luz. Os resultados demonstram que os  toe flags são insuficientes para provocar uma resposta do receptor por si só, enquanto os cantos agressivos são suficientes. No entanto, quando os toe flags são emitidos junto com os cantos agressivos, eles evocam respostas agressivas mais longas no receptor do que aquelas evocadas pelos cantos agressivos isoladamente. Além disso, os cantos agressivos e os toe flags não fornecem informações complementares ou redundantes sobre a qualidade do macho, e o sinal multimodal não aumentou a resposta do receptor ao longo de gradientes naturais de luz e ruído de fundo.

Essa combinação de resultados é consistente com as previsões da hipótese de contexto. De acordo com essa hipótese, a função dos toe flags é fornecer um novo contexto que é usado pelo receptor para interpretar os cantos agressivos e modificar a resposta a eles. Como a emissão de toe flags costuma aumentar à medida que as brigas progridem, sugerimos que a informação contextual fornecida pelos toe flags acompanhando os cantos agressivos é motivação para escalar a interação agressiva. No exemplo no início do texto, um sorriso acompanhando um aperto de mão poderia bem indicar um contexto social mais amigável do que apenas um aperto de mão. No caso dos machos de C. schmidti, por sua vez, os toe flags acompanhando os cantos agressivos parecem indicar um contexto de maior agressividade do que quando os cantos são emitidos isoladamente.

Um sinal multimodal de contexto pode ser vantajoso em situações em que a informação transmitida por um sinal muda ao longo do tempo ou é difícil de discernir devido a propriedades pouco estereotipadas do sinal. Ao adicionar um sinal contextual a uma exibição, a ambiguidade do outro sinal pode ser reduzida, o que beneficia os receptores que adquirem informações menos ambíguas sobre o sinalizador. Isso é especialmente importante em disputas, pois indivíduos que não conseguem adquirir informações adequadas sobre a agressividade de seu rival podem incorrer em custos de lesão. Exemplos de sinais multimodais dependentes do contexto são raros na literatura, provavelmente porque a maioria dos estudos se concentra em hipóteses únicas baseadas na seleção baseada em conteúdo ou eficácia. Portanto, este estudo fornece uma das poucas evidências de um sinal multimodal com uma função de contexto em disputas animais e enfatiza a importância de considerar múltiplas pressões seletivas ao testar a função de sinais multimodais.

Literatura citada:

Bro-Jørgensen, J., & Dabelsteen, T. (2008). Knee-clicks and visual traits indicate fighting ability in eland antelopes: Multiple messages and back-up signals. BMC Biology, 6, 47.

Grafe, T. U., & Wanger, T. C. (2007). Multimodal signaling in male and female foot‐flagging frogs Staurois guttatus (Ranidae): An alerting function of calling. Ethology, 113(8), 772-781.

Hebets, E. A., & Papaj, D. R. (2005). Complex signal function: Developing a framework of testable hypotheses. Behavioral Ecology and Sociobiology, 57, 197–214.

Rosenthal, G.G. Rand, A.S. Ryan, M.J. 2004. The vocal sac as a visual cue in anuran communication: an experimental analysis using video playback. Animal Behaviour, 68:55–58.

Videos linkados no texto:

Supp_file_Appendix S1 (Sinais de um macho): https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/action/downloadSupplement?doi=10.1111%2F1365-2656.13620&file=jane13620-sup-0001-AppendixS1.mp4

Supp_file_Appendix S4 (Sequência de vídeos de respostas de machos): https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/action/downloadSupplement?doi=10.1111%2F1365-2656.13620&file=jane13620-sup-0004-AppendixS4.mp4

Bio

Vinícius é um biólogo focado em ecologia comportamental e comunicação animal. Um de seus principais interesses de pesquisa é desvendar fatores que promovem a evolução de sinais multimodais no contexto da seleção sexual. Na época em que esta pesquisa foi realizada, ele era pesquisador de pós-doutorado na Universidade de São Paulo. Atualmente, ele supervisiona pesquisas e ensina ecologia na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil.

Twitter: @vinicaldart

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